Países europeus que protestam contra desmatamento no Brasil compraram mais de US$ 6 bilhões do agro brasileiro no ano

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Por Rikardy Tooge, G1

Os países europeus que disseram nesta semana que o aumento do desmatamento dificulta compras de produtos do Brasil foram responsáveis por cerca de 10% do que o agronegócio brasileiro faturou com exportações neste ano, de janeiro a agosto.

Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido e Bélgica, que assinaram carta ao governo brasileiro criticando “altas taxas” de “desflorestamento”, compraram US$ 6,77 bilhões em produtos agropecuários do Brasil no período, o equivalente a 9,71% do que o setor vendeu ao exterior (US$ 69,6 bilhões).

Para efeito de comparação, a China, maior cliente do agro, importou US$ 26,43 bilhões de janeiro a agosto, representando 37,96% das exportações brasileiras em valores.

Esses oito países europeus gastaram 4,15% mais com produtos do agro brasileiro do que em relação ao mesmo período de 2019 – o setor viu um crescimento nas exportações mesmo com a pandemia.

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Vendas do agro a países da Europa — Foto: Juliane Souza/G1

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Parte desse grupo também concorre com o Brasil no fornecimento mundial de alimentos e conta com subsídios da União Europeia para conseguir mais competitividade frente ao produto brasileiro (leia mais abaixo).

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O que compram?

Somando a compra dos oito países, café verde, soja em grãos, farelo de soja e carnes foram os itens mais negociados. Desses produtos, um pouco da soja e boa parte da produção de carne bovina vêm do bioma Amazônia, onde houve aumento nos alertas de desmatamento em agosto.

Na liderança desses países está a Holanda, que importou US$ 2,63 bilhões de janeiro a agosto deste ano, crescimento de 21,2% na comparação com o ano passado.

A compra holandesa foi, principalmente, de soja em grãos (US$ 1,07 bilhão), farelo de soja (US$ 478,4 milhões) e suco de laranja (US$ 291,6 milhões).

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Na sequência está a Alemanha, que comprou US$ 1,16 bilhão do nosso país, queda de 4,98% em relação ao ano passado.

Café verde (US$ 582,3 milhões), farelo de soja (US$ 354,4 milhões) e carne de frango (US$ 42,2 milhões) foram os itens mais importados.

Completa o top-3 a Bélgica, que comprou US$ 858,9 milhões do agronegócio brasileiro, queda de 22% em relação ao ano passado.

O motivo da baixa é que o país comprou quase 50% menos suco de laranja do Brasil. Porém, vale lembrar que o principal polo de produção da fruta do país fica no Sudeste, não na Amazônia.

Café verde (US$ 229,8 milhões), fumo (US$ 270,9 milhões) e suco de laranja (US$ 223,5 milhões) lideram as importações.

Pressão dos consumidores

Os oito países enviaram na terça-feira (15) uma carta ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em que dizem que o aumento do desmatamento dificulta a compra de produtos brasileiros por consumidores do continente.

O documento é assinado pela Parceria das Declarações de Amsterdã, grupo formado por Alemanha (atualmente na presidência), Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega e Reino Unido.

Os sete países europeus dizem estar comprometidos em liminar o desmatamento das cadeias de produtos agrícolas vendidos para a Europa. A Bélgica também assinou a carta aberta.

“Na Europa, há um interesse legítimo no sentido de que os produtos e alimentos sejam produzidos de forma justa, ambientalmente adequada e sustentável. Como resposta a isso, agentes comerciais, como fornecedores, negociantes e investidores, vêm refletindo cada vez mais esse interesse em suas estratégias corporativas”, afirma um trecho da carta.

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos. Isso o torna um fornecedor seguro e consistente, porém, o abalo na imagem do país em relação à preservação do meio ambiente pode fechar mercados.

“A maior pressão vem do consumidor para cima, o chamado ‘bottom-up’. As empresas até têm alguma dose de repúdio interno (ao desmatamento), mas estão sempre de olho nos consumidores, que são mais sensíveis às notícias”, explica Carlos Coelho, professor de relações internacionais da PUC-Rio.

O país vem sofrendo, desde a crise das queimadas na Amazônia no ano passado, pressão de empresas e investidores sobre o aumento no desmatamento.

“A nossa preocupação é chegar em um momento onde o preço mais baixo do produto brasileiro não compense o nível de reclamações dos consumidores”, acrescenta Coelho.

Vista aérea de área queimada na Amazônia, perto de Apuí, no Amazonas, no dia 11 de agosto. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Vista aérea de área queimada na Amazônia, perto de Apuí, no Amazonas, no dia 11 de agosto. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O grupo de países diz que ações tomadas pelo Brasil no passado, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desflorestamento na Amazônia Legal, o Código Florestal Brasileiro e a Moratória da Soja na Amazônia, são reconhecidos pelo efeito que tiveram na redução do desmatamento.

Porém, alerta que o desmatamento aumentou em “taxas alarmantes”. Isso, segundo o grupo de países, criou uma preocupação na comunidade europeia.

Embora demonstrem preocupação, a declaração dos europeus também tem um contexto político, além da questão ambiental.

Os países do continente contam com grandes subsídios da União Europeia para que possam concorrer com o produto brasileiro.

Subsídios para a produção rural na União Europeia atingiu cifras bilionárias em 2017 — Foto: Diana Yukari/G1

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Dos países que assinam a carta, a França é a maior potência agrícola do bloco, concorrendo com o Brasil especialmente na produção de soja, leite e derivados.

A Alemanha também é outro grande produtor mundial, especialmente de carnes.

Efeitos a longo prazo

Para Carlos Coelho, professor da PUC-Rio, embora esses oito países estejam bem atrás da China, os europeus ainda têm grande influência no mercado mundial.

Na avaliação dele, a queixa pode prejudicar um grande objetivo do governo brasileiro, que é o de sacramentar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

Em entrevista ao G1 em junho, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, disse que o aumento do desmatamento na Amazônia está tornando “cada vez mais difícil” a ratificação do acordo de livre comércio entre os blocos.

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“A carta gera mais barulho, e todo barulho significa fragmentação da capacidade negocial brasileira, inclusive do Acordo União Europeia-Mercosul”, explica Coelho.

O pacto, que depende ainda da aprovação de todos os países envolvidos, traria fôlego para a economia e gera grande interesse para a agropecuária brasileira.

Resposta do governo brasileiro

Mourão, que presidente o Conselho da Amazônia, disse a jornalistas na quarta-feira (16) que o tema foi tratado em reunião dele com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura).

O vice-presidente afirmou que Itamaraty deve procurar o embaixador da Alemanha para conversar sobre o posicionamento dos oito países. Ele também informou que o governo brasileiro vai organizar uma viagem de embaixadores à Amazônia.

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“A decisão é que o Itamaraty vai conversar com o embaixador alemão. Na carta, eles colocam os representantes deles à disposição para o diálogo, daí nós estamos planejando aquela viagem, que já falei para vocês, à Amazônia, que vai ser feita no final de outubro. Então, é isso que debatemos ali”, afirmou o vice-presidente.

Segundo Mourão, o Brasil não esconde a situação da Amazônia, mas não vai aceitar narrativas “simplistas” ou “distorcidas”. Ele afirmou que os crimes ambientais prejudicam a imagem do país e atrapalham negócios.

“Os crimes ambientais deixam nosso país vulnerável a campanhas difamatórias, abrindo caminho para que interesses protecionistas levantem barreiras comerciais injustificáveis contra as exportações do agronegócio”, disse Mourão.

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